O relatório mundial da felicidade (World Happiness Report) é uma publicação da Sustainable Development Solutions Network (Rede de Desenvolvimento de Soluções Sustentáveis, em livre tradução) desenvolvida com os dados capturados pelo Gallup World Pool (Pesquisa Gallup Global, também em tradução livre). Ele é lançado anualmente, no dia 20/mar considerado o dia mundial da felicidade.
O relatório traz um ranking de avaliação sobre o nível de felicidade/bem-estar por nação. O conceito de felicidade da nação vem sendo cada vez mais aceito nos meios acadêmicos, políticos e econômicos como uma forma complementar de medida sobre o progresso da nação, juntamente com o desenvolvimento econômico-financeiro.
A forma de medida
Para definir a medida da felicidade, é utilizada a Escada de Cantrill. 1.000 pessoas respondem seu nível de satisfação em uma escala de 0 a 10, pensando que 0 é o degrau mais baixo da escada, significando um baixíssimo nível de felicidade.
A soma das notas gera o total a ser considerado para a criação do ranking dos países
O ranking
Os 10 primeiros colocados no ranking são:
1o - Finlândia
2o - Dinamarca
3o - Islândia
4o - Israel
5o - Holanda
6o - Suécia
7o - Noruega
8o - Suíça
9o - Luxemburgo
10o - Nova Zelândia
Vale, dentro do ranking, dois destaques para países não europeus: a Nova Zelândia que vem tendo um lugar de destaque em suas políticas sociais e econômicas (vide o controla da pandemia do Covid-19) e Israel, há muito tempo, um polo de inovação e tecnologia.
Tenho que mencionar, também, a Costa Rica, país pobre do ponto de vista econômico mas que figura na 21a posição do ranking, a frente de Espanha e Itália, por exemplo.
E o Brasil? A notícia não é boa. Como reflexo do cenário sócio-político-econômico conturbado (para dizer o mínimo) dos últimos anos, o Brasil ocupa apenas o 49o lugar, atrás de países como Cazaquistão, Guatemala, Nicarágua, Chile e Uruguai. E o mais preocupante disso é a queda vista ao longo dos últimos anos - no mesmo ranking divulgado em 2016, o país ocupava a 17a posição! Isso mesmo, você não leu errado.
Os critérios qualitativos
De modo a explicar o ranking, são utilizados alguns critérios estatisticamente correlatos à escada de Cantril e que ajudam a entender o que torna um país mais ou menos feliz.
PIB per Capita
Rede social de apoio
Expectativa de vida
Liberdade de escolha
Generosidade
Percepção de corrupção nas instituições
Sentimentos positivo e negativos
Abaixo vamos explorar um pouco de cada um deles
PIB per Capita e Expectativa de vida
Vamos iniciar a exploração com dois critérios que são auto-explicativos. Um deles é o PIB per Capita que nada mais é que toda riqueza produzida por uma nação (através de seus produtos e serviços) dividido pela sua população. Esse índice mostra a capacidade de uma nação em gerar prosperidade econômico e como é dividida entre sua população.
O segundo critério é a expectativa de vida, ou seja, o tempo médio de vida de uma população.
Dentre os critérios mais qualitativos, temos esses dois bem quantitativos mas importantes para mostrar, por exemplo, que países ricos tendem a ter um nível maior de felicidade
Rede de Apoio
Para analisar esse critério, é questionado para as pessoas: "Se você estiver em apuros, você tem parentes ou amigos com quem pode contar para te ajudar a qualquer momento?"
Há diversas linhas de estudos (para citar uma o livro Zonas Azuis de Dan Buettner) que mostram a importância de uma rede de apoio (seja familiar, religiosa, de amizade etc) na longevidade e no bem-estar das pessoas. Seja por nossa biologia que evoluiu em meio a comunidades seja por fatores menos complexos, ter um rede com quem contar gera um grande impacto na experimentação de sensações positivas o que tem alta correlação com o aumento da felicidade e do bem-estar.
Liberdade de Escolha
A possibilidade de alguém poder escolher o que fazer de sua vida sem viver em meio a repressão de qualquer espécie (racial, de gênero etc) e podendo contar com as instituições a sua volta é, também, um item essencial para entender o grau de felicidade de uma sociedade.
O grau de complexidade dessas escolhas é altamente diferente dependendo do país em questão: vemos em uma ponta os países nórdicos onde o apoio estatal garante condições para que seus cidadãos tenham certo nível e conforto e possam, com isso, por exemplo, trabalhar menos, estar mais com a família etc. Já em países como Afeganistão e outros com alto grau de repressão, há riscos de liberdade individual apenas por ser mulher, não compactuar com os ideais políticos e religiosos de quem está no poder entre outros
Generosidade
Quando se fala de generosidade, há um ciclo virtuoso em que mais altruísmo e generosidade gera mais felicidade, assim como pessoas mais felizes tendem a ser mais altruístas. Com isso, os vetores de correlações são mais complexos de serem explicados, mas a mensagem é que a correlação existe de ambos os lados e aqueles países mais bem colocados tendem a ter maiores índices de generosidade e altruísmo.
Um dado super interessante que o relatório traz é que, além de aumentar o bem-estar de quem pratica e de quem recebe, as ações altruístas também geram um aumento de bem-estar em quem "observa" os atos aumentando, inclusive, a probabilidade de que, tais observadores pratiquem, por sua vez, atos altruístas
Percepção de corrupção
Item extremamente sensível para nós brasileiros, o relatório mostra que a felicidade está bastante correlacionada com a confiança nas instituições que nos rodeiam, através da nossa percepção de corrupção das mesmas.
E, quando falamos de instituições, temos o governo e as instituições privadas com as quais temos interface.
O relatório foca bastante no governo e traz um conceito interessante sobre a capacidade de geração de prosperidade analisando três eixos: fiscal - capacidade de cobrar impostos de maneira justa e efetiva, legal - capacidade de criar e garantir a aplicação de leis e coletivo - capacidade de entregar serviços públicos de qualidade
O trabalho
Algo não diretamente tratado no relatório é a questão do bem-estar no trabalho. Claramente o foco do relatório não é a visão individual de felicidade (tema a ser debatido nos nossos próximos artigos) mas é inegável que há uma correlação entre bem-estar no trabalho e bem-estar geral.
Chamam atenção alguns índices como o trazido pela mesma Gallup e pela Workhuman no report "From Praise to Profit" (Do Elogio ao Lucro, em livre tradução) - as pessoas nunca estiveram tão desengajadas de seu trabalho nos últimos 10 anos.
Um trabalho que não engaja não deve contribuir relevantemente e em escala para o bem-estar das pessoas.
Pensando nos critérios qualitativos debatidos acima, é possível listar o que se espera das empresas, sem a pretensão de ser exaustivo:
Serem saudáveis financeiramente, de modo a contribuir com o PIB
Serem um lugar que contribui ou suporta na manutenção da saúde física e mental
Gerar conexões entre os colaboradores
Serem confiáveis e combaterem a corrupção dentro de casa etc
Sem dúvida é um grande otimismo esperar tudo isso, apesar de ser uma breve e não exaustiva lista. Entretanto, ainda me apoiando no "From Praise to Profit", vemos que uma mudança um tanto mais simples (mas não trivial de ser implementada) pode gerar impactos extremamente positivos: o reconhecimento da empresa para seus colaboradores.
Os institutos comprovam que um aumento do nível de reconhecimento nas empresas tem um impacto muito positivo nos funcionários (aumentando laços entre os times, aumentando a conexão das pessoas com a organização e seu sucesso, melhorando o impacto do stress no trabalho etc).
Além disso, traz impactos financeiros diretos - ao reduzir acidentes e absenteísmo (estima-se uma economia de mais de USD 6,6MM anuais) e aumentar a produtividade (estima-se um ganho de mais de USD 91MM anuais)
Em tempos complexos como os que vivemos, olhar para o bem-estar das pessoas deveria ser uma obrigação de todos - de governantes, a empregadores, passando por cada um de nós na vida pessoal (seja cuidando do nosso, seja suportando nossa rede social - aquela real, não a virtual). Relatórios como esse são essenciais para mostrar oportunidades e desafios sociais, mas o engajamento das pessoas é essencial para garantir que o bem-estar deixe de ser coisa de país nórdico ou tema debatido após um burnout.
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